O primeiro disco de Katzgraben foi gravado entre 2006 e 2007 após uma primeira temporada em Londres, ainda com um pé bem assente nas vivências portuguesas e na condição de forasteiro em terras britânicas. É difícil dissecar as suas origens: na melhor das hipóteses há um apontamento que pode reavivar a memória, mas essa memória é sempre uma visão desfocada do que realmente pode ter dado origem a esse exercício, no fim de contas algo coeso, de gravações. Tenho a ideia de que houve uma transição, e que essa transição foi determinante para o desancorar das terras conhecidas e para o desprendimento de uma série de ideias que vagueavam como fantasmas. Lembro-me de ter comprado uma pequena mesa de mistura e um microfone barato da Behringer, o mais barato que encontrei, e que serviram o propósito de começar a registar ideias num computador portátil. As primeiras gravações aconteceram quando apenas tinha comigo em Londres (na altura vivia na Malta Road, em Leyton) uma guitarra acústica Samick — a guitarra “estranhamente” acústica do Ab! Surdo, dos Kafka — e talvez, não tenho a certeza, uma melódica já um pouco desafinada — a melódica da Legacy e da Ballerina do Fantôme: Intro das Waltz, também dos Kafka.
Durante os primeiros meses em Londres — talvez até o primeiro ou segundo ano — não tinha a guitarra elétrica comigo. Aterrei em setembro de 2005, ainda um pouco à deriva, a ver como correriam as coisas. No início de 2006, quando a J aterrou em Londres, fomos viver para uma casa em Walthamstow, onde ficámos poucos meses, e depois novamente para Leyton, num quarto de sótão, onde também ficámos pouco tempo. Em agosto de 2006 aterrámos na Malta Road, onde permanecemos por bastantes anos. Não tenho a certeza, mas penso que a minha guitarra elétrica Fender Telecaster Thinline 72 só chegou a Londres no verão de 2007. Nos primeiros dois anos os meus toques elétricos aconteciam apenas nas visitas regulares, quase semanais, ao centro de Londres, na altura em que ainda existiam as grandes lojas de instrumentos no triângulo formado pela Denmark Street, Tottenham Court Road e Oxford Street, ou então quando ia passar alguns dias a Portugal e me reencontrava com a Fender e com o amplificador Marshall.
Embora não consiga precisar muito bem as datas, recordo-me que foi numa dessas visitas de rotina, em que levei a pequena mesa de mistura e o microfone da Behringer comigo, que gravei de improviso, durante uma tarde em que me apanhei sozinho em casa, a de Barcelos, parte dos improvisos e ideias que acabaram por consubstanciar o âmago sónico elétrico de Katzgraben. Esses improvisos ficaram tal como saíram no momento, com todas as suas imperfeições e possibilidades. O que teve direito a mais pistas foi aquele que ficou mais tarde com o título To Berlin!, em alusão à minha primeira viagem a Berlim, que aconteceu por volta dessa altura. Apenas não tenho a certeza — enquanto não fizer uma pesquisa mais aprofundada de diários e afins — se foi antes ou depois. O próprio título é ambíguo, embora o ponto de exclamação indique algo que ainda estaria para acontecer, mas certamente já teria viagem marcada. As restantes gravações teriam duas ou três pistas no máximo e, numa delas, Out-of-Date, atrevi-me a gravar voz, talvez porque me tivesse ocorrido uma melodia ou um verso.
Mas esses pormenores ficam para outras reflexões e outros textos. Por enquanto, fica aqui o plano de intenções: uma espécie de mapa inicial da narrativa de Katzgraben.